A trilogia de Samurai X
Em uma época marcada por kame-hame-há’s, meteoros e reigun’s, um mangaká entrou para a história do gênero de ação ao realizar uma obra que misturava realidade e ficção, personagens carismáticos e ótimas lutas. Criação máxima de Nobuhiro Watsuki, “Rurouni Kenshin”, ou “Samurai X”, como ficou conhecido no Brasil, é um dos principais títulos já lançados na Terra do Sol Nascente.
O mangá, lançado entre 1994 e 1999, usa as batalhas como pano de fundo para dar uma aula de história sobre o Japão da Era Meiji (que encerrou o sistema feudal e modernizou o país, transformando-o em uma potência econômica) e apresentar valores como redenção, que é o que norteia o protagonista Kenshin Himura, um ex-assassino a serviço dos revolucionários, que busca se redimir dos pecados. Para isso, troca a espada por uma com a lâmina invertida, ou seja, que não mata.
O anime não demorou, sendo exibido entre 1996 e 1998, repetindo o mesmo sucesso do mangá. Depois, veio um filme animado para os cinemas, OVAs (Original Video Animation), jogos de vídeo game... E 18 anos depois do lançamento original, a mais surpreendente das adaptações: um live action nas telonas.
A adaptação
A primeira atitude necessária para apreciar a trilogia é abrir a mente. É preciso lembrar que essa é uma adaptação da obra de Watsuki, então não seja o fã chato que reclama por mudanças na direção da história. Mesmo assim, é difícil não comparar com o material original.
O roteiro de Keishi Otomo e Kiyomi Fujii, que teve colaboração do próprio Watsuki, teve que modificar boa parte da primeira parte da história original (“sagas” de Jin-E e da Oniwabanchu). A adaptação pode desagradar os puristas, mas funciona dentro do filme, principalmente se o expectador não conhece a obra original.
A grande falha, porém, fica com a falta de profundidade de personagens essenciais na trama, como Sanosuke e Yahiko. Sem a origem (e os motivos para odiar Kenshin), o primeiro é renegado a um encrenqueiro bêbado sem qualquer carisma. O segundo teve uma mudança gigante de personalidade, deixando de ser o menino hiperativo, para virar um coadjuvante de meia dúzia de falas. Hajime Saito, que teve a participação antecipada, também foi subaproveitado.
Mas uma coisa não foi alterada. Kenshin Himura segue o dono da história, graças não apenas ao roteiro, mas também a Takeru Sato. O ator se transformou no andarilho, não apenas na aparência (o visual é o mesmo da versão original sem parecer ridículo em nenhum momento), mas nos trejeitos, nos olhares. Ele demonstra toda a angústia do espadachim que vive em expiação pelos crimes que cometeu.
O clímax
O primeiro filme funciona com um experimento. Que deu certo. E sempre que se define por uma trilogia, o que vem depois tende a ser maior. E é exatamente o que acontece com as partes dois e três, que adaptam a Saga de Shishio, a principal de “Rurouni Kenshin” e uma das mais importantes da história dos mangás/animes.
Com os personagens apresentados, o roteiro consegue ser bem mais consistente ao apresentar o antagonista e seu plano de dominação do Japão. Para quem não conhece, Shishio é um ex-assassino que ao final da guerra, foi atacado e queimado vivo, tendo sobrevivido por um milagre. Enquanto Kenshin busca redenção, seu nêmesis quer vingança.
Shishio é o vilão perfeito. É forte (mais que o protagonista), inteligente, assustador. Tem visual, personalidade e argumentos, que por mais inaceitáveis que sejam, são pertinentes. E o filme sabe captar a essência do personagem, mostrando-o maior do que todos. Quase uma divindade. É tão poderoso que deixa o espectador em dúvida se Kenshin pode derrotá-lo.
Além de Shishio, as partes dois e três trazem outros personagens queridos do público, como Soujirou Seta, o pupilo do vilão, que também representa uma ameaça, e Seijuurou Hiko, o mestre de Kenshin. O problema, mais uma vez, é a falta de profundidade deles. Principalmente no caso do reencontro entre aluno e professor.
O roteiro poderia destacar menos os momentos de contemplação (comuns na estética asiática, principalmente japonesa) e focar a relação entre os dois. Quem assiste sabe que Hiko e Kenshin têm uma história, e quer saber qual é ela. Além do mais, o terceiro filme gasta bastante tempo com o ensinamento da técnica mais forte do estilo Hiten Mitsurugi, o Amakakeru Ryu no Hirameki, mas o protagonista não aprende com treino, e sim, com uma epifania (!?).
Já os outros membros da organização de Shishio, o Juppongatana, parecem estar na história mais como fan service, como, por exemplo, a luta entre Sanosuke e Anji. Levando em consideração apenas aquela cena, era mais uma batalha entre caras fortes, mas o fã certamente abriu um sorriso. Apenas Cho (com um visual extremamente caricato) tem um bom tempo de tela, já que a luta com Kenshin é, dentro do que a adaptação permite, bastante fiel ao material original.
Obviamente não é possível adaptar uma saga de 35 episódios em pouco mais de quatro horas. É necessário fazer mudanças, e o roteiro (tirando o primeiro terço da último filme) sabe fazer isso de maneira bastante satisfatória.
Apenas um núcleo deixa realmente a desejar (e muito). Aoshi, um dos personagens mais importantes da trama já havia sido ignorado no primeiro filme, e foi completamente desfigurado nos dois seguintes. Sem a participação dele no caso da Oniwabanchu, fica difícil entender as motivações do personagem. E estas foram totalmente ignoradas. O ninja é apenas uma figura genérica movida pelo desejo de ser mais forte que Kenshin. Nada mais. Não acrescenta nada para quem assiste só o filme e nem funciona como fan service para os demais.
O live-action
Como em todo mangá do gênero shonen, “Rurouni Kenshin” também tem como destaque as batalhas. Incríveis nas páginas, no anime, e felizmente, também na versão de carne e osso.
As lutas são intensas e bem coreografadas, garantindo a satisfação de quem não conhece a obra original, e principalmente, dos fãs antigos. Destacam-se os confrontos entre Kenshin e Soujirou – incríveis – e a batalha final contra Shishio, que respeita o mangá/anime, mas traz novidades, muito bem vindas.
Entre os atores, além de Sato, Tatsuya Fujiwara está muito bem como Shishio, assim como Yosuke Eguchi se transformou em Saito. Os intérpretes de Soujirou e Hiko também dão conta do recado.
A ambientação da época é muito boa, seja nos figurinos ou cenários, mas uma coisa me incomodou. Por ser feito dentro de uma cidade cenográfica, a impressão que eu tinha era de um ambiente pequeno, apertado, como se fosse uma novela. Mesmo assim, não tira os méritos daquele Japão do século 19.
A trilha sonora, apesar de um pouco repetitiva, é boa. Principalmente durante as batalhas, funcionando quase como um personagem.
Por melhor que apresente todo o mundo criado por Watsuki, esse é um filme que pouco deve funcionar para quem não é fã do mangá/anime. Já quem conhece o material original deve sair ficar satisfeito.
É uma adaptação de rara felicidade, que respeita a obra e os fãs. Prova que é possível transportar um universo de fantasia para uma realidade de carne e osso. Tem defeitos, claro, mas eles são facilmente superados pelas qualidades.
Além de estar disponível em home vídeo, a trilogia pode ser encontrada no Netflix, nos links abaixo.
Samurai X (2012) - http://www.netflix.com/WiMovie/70293105
Samurai X: O Inferno de Kyoto (2014) - http://www.netflix.com/WiMovie/80013790
Samurai X: O Fim de uma Lenda (2014) - http://www.netflix.com/WiMovie/80013891
O primeiro filme está na estante em alta definição, mas apesar da boa qualidade de áudio e vídeo, a edição lançada pela Focus deixa muito a desejar. Falta de extras e até mesmo erros de informações na capa.
Para piorar, os primeiros discos lançados não tinham a dublagem clássica. Os fãs chiaram, a empresa trouxe os dubladores do animes, mas esqueceu de cuidar do áudio, que tem falhas. Além disso, a apresentação é bastante simples, o que me faz apenas sonhar com outras edições, como o steelbook lançado no Reino Unido pela Zavvi.
A Focus lançou nesta semana o último filme e um box com a trilogia completa. Mas... só em DVD! Provavelmente teremos apenas a primeira parte em alta definição.
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